Entrevista com General Sergio Etchegoyen, Presidente do Ibric

Ibric: Um instituto para certificar as empresas brasileiras em compliance

O general Sergio Whestphalen Etchegoyen, gaúcho de Cruz Alta, ingressou no Exército Brasileiro aos 19 anos. Foi ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República no governo Temer e oficial do Estado-Maior da Missão de Verificação das Nações Unidas em El Salvador, nos anos de 1991 e 1992. No período de 2001 a 2003, chefiou a Comissão do Exército Brasileiro em Washington (EUA). Etchegoyen foi também chefe do Estado-Maior do Exército no governo Dilma Roussef. Atualmente preside o Ibric – Instituto Brasileiro de Autorregulamentação no Setor de Infraestrutura –, que teve sua criação anunciada em Brasília, em 9/10/2019 e enfrenta o grande desafio de capacitar organizações brasileiras para uma autorregulação.

A Revista Ônibus ouviu o general, que contou o que é o Ibric, como foi criado, como vem atuando e onde pretende chegar.

Revista Ônibus: Como surgiu o Ibric?

Sergio Etchegoyen: Ele nasceu da iniciativa de duas ou três empresas do setor de infraestrutura, que perceberam a necessidade e as vantagens competitivas de caminharem dentro das normas legais e da ética, em especial quando participam de processos licitatórios de prestação de serviços para o Estado, que é o maior demandante dessa área.

Essas empresas me trouxeram esse desafio no início do ano passado. Conversamos várias vezes, e a ideia era criar uma associação de empresas com capacidade autorregulatória. Convidei pessoas de minha confiança para me ajudarem a pensar no assunto. Uma dessas pessoas foi o ex-ministro Raul Jungmann, que tem uma carreira política reta, e é um homem respeitado e conectado. Através dele, foram feitos contatos com o instituto Ethos e com departamento de Ética e Compliance da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo. Outro contato importantíssimo foi com o IFC, International Finance Corporation, órgão do Banco Mundial, que tem representante no Brasil.

Essas três instituições acolheram a ideia e formaram o que chamamos de “grupo de facilitadores”. Eu, Raul Jungmann e demais participantes formamos o que chamamos de “grupo executivo”, ainda trabalhando, então, de modo informal.

R.O.: E como foi a evolução desse grupo informal até a constituição efetiva do Instituto?

S.E.: Nos meses de maio a setembro, tivemos a realização, pelos facilitadores, de reuniões periódicas e palestras, para as quais foram convidadas empresas do setor de infraestrutura e palestrantes ligados aos temas da autorregulação, ética e afins. Durante esse período, alguns momentos foram marcantes. Em 8 de maio de 2019, foi lançado o projeto, em evento no Renaissance São Paulo Hotel (SP), quando 18 empresas assinaram uma carta-compromisso. Ali foram estabelecidos os critérios para o trabalho que seria feito a partir daquele momento, a adesão aos princípios éticos, propiciando competições limpas, lícitas, a universalidade do Instituto, que seria aberto a todos, enfim, uma casa para dar oportunidade às empresas de corrigirem eventuais desvios de conduta, e criarem mecanismos de defesa para evitarem novas falhas éticas. A partir daí, passamos a ter reuniões presenciais, na FGV em São Paulo. Aqueles que não podiam comparecer, participavam ao vivo, por vídeo.

Outro marco foi o final do mês de agosto, quando, com a proposta de estatuto já definida, por sugestão do Instituto Ethos, esta foi colocada em disponibilidade para consulta pública durante quase um mês. Em 3 de outubro, houve a criação e, em 9 do mesmo mês, foi feito o lançamento público em Brasília.

R.O.: Qual é, exatamente, o papel desse instituto?

S.E.: Quanto mais autorregulação nós tivermos, menos judicialização. Segundo o ministro Toffoli, do STF, não houve, neste tempo em que ele está lá, qualquer judicialização da área do Conar (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária). Isso quer dizer que o setor, por uma associação voluntária de suas empresas, é capaz de se autorregular, de arbitrar, de tal forma que evita a judicialização. Existe um ditado famoso, que os advogados usam bastante, que diz que “mais vale um mau acordo do que uma boa demanda”. Não que haja, no caso, um mau acordo, mas evita-se o que poderia ser uma boa demanda. Essa faceta da autorregulação me parece extremamente vantajosa para o setor e para a sociedade. É só a gente olhar a quantidade de obras e serviços de infraestrutura que se arrastam, muitas vezes, por questionamentos de licitação, por exemplo, que poderiam ser evitados se tivéssemos um ambiente de autorregulação consolidado. Claro que não se alcançam esses grandes objetivos – de definir as disputas na área de infraestrutura pela competência, pela capacidade tecnológica e de gestão – com uma varinha de condão, é preciso criar um ambiente e buscar a adesão das empresas. E é esta a finalidade do Instituto, ajudar as empresas a se capacitarem e se qualificarem, para que o Estado brasileiro também perceba essas mudanças e as vantagens competitivas das organizações aderentes a esses princípios. Assim, teremos mais qualidade nos serviços de infraestrutura e menos demandas judiciais, com todas as vantagens para a saúde das empresas e a efetividade dos impostos que pagamos.

R.O.: Que pessoas participaram do processo de criação e formatação do Instituto?

S.E.: Além do Raul Jungmann, que já citei, a nossa hoje diretora Grace Mendonça, ex-chefe da Advocacia Geral da União, teve participação muito importante, na organização e codificação do estatuto e, principalmente, do Código de Ética, e Marcelo Martins, que gerenciou o escritório de São Paulo. O escritório de advocacia Pinheiro Neto, de São Paulo, cuidou de toda a parte necessária para fazer o Instituto existir juridicamente. O consultor em Sustentabilidade Sérgio Leão também nos deu todo o apoio na parte financeira e de sustentabilidade. Todas essas pessoas, inclusive o escritório de advocacia, trabalharam sempre pro bono (forma reduzida da expressão latina “pro bono publico”, que significa trabalho profissional realizado de forma voluntária). E a FGV, o Instituto Ethos e o IFC, naturalmente.

R.O.: Como está constituída a diretoria do Ibric?

S.E.: Raul Jungmann é nosso diretor de Relações Institucionais e Internacionais; Sérgio Leão, de Sustentabilidade; Grace Mendonça, de Integridade; e Marcelo Martins, diretor financeiro, função que acumula com a gerência do escritório de São Paulo.

A ideia é que o Instituto seja o mais enxuto possível, usando, sempre que necessário, de pessoas ou empresas contratadas para as respectivas expertises. Assim, garantiremos a qualidade dos trabalhos, com custos menores.

R.O.: Como definiria este momento do Ibric?

S.E.: Estamos num momento de dar uma cara, uma personalidade ao Instituto, para termos um local, com uma porta, uma plaquinha, um site, enfim, essas coisas. E tratamos da comunicação. A estratégia de comunicação foi montada pela FSB, que também nos ajudou pro bono. Eu sou do Conselho da FSB, pois, quando terminou a minha quarentena, após sair do governo, eles me convidaram e achei um desafio interessante. Eu não conhecia ninguém e nem a atividade, e foi bom, porque apresentei a ideia e eles se entusiasmaram em apoiar, com toda a competência que têm.

R.O.: Que cenário que considera ideal para o Ibric?

S.E.: É uma adesão mais ampla, o que vai levar algum tempo. Não é fácil, e nós até já temos, surpreendentemente, uma diversificação. A Fetranspor, por exemplo, é do setor de transportes. Quando falamos de infraestrutura, as pessoas pensam nas empreiteiras. Mas isso é uma fatia, um segmento, dos mais polêmicos, do setor. O presidente do Conselho é de uma investidora, uma empresa do setor financeiro que investe em infraestrutura – o que eu achei uma decisão muito interessante, inteligente, porque a empresa não colocou a cara na primeira página, na linha de frente da parte mais criticada da infraestrutura. Mas, pelo contrário, tem um interesse muito importante, o do investimento, e certamente está lá para ver o que acontece e como fiscalizar aqueles em que investe. Estamos tratando com a área bancária, com a área de energia, enfim, tem uma série de coisas acontecendo que nos indicam uma adesão mais diversificada horizontalmente. Temos dois eixos para trabalhar: o eixo horizontal, que é o leque de segmentos que há nesse setor de infraestrutura, e o eixo vertical, que é o tamanho de cada empresa em seu segmento. Temos grandes empresas transportadoras no Rio de Janeiro, mas lá na cidadezinha pequenininha onde eu nasci também tem transportadora, onde são poucos os passageiros. É importante que todas, independentemente do seu tamanho, estejam comprometidas com a autorregulação. A gente sabe que as atitudes menos recomendáveis, elas migram. Se trouxermos as grandes empresas desses segmentos, o “mal-feito” migra para aquelas que não vieram.

Nesses anos de experiência no governo, aprendi que a vida não acontece na União, ou no estado. Ela acontece no município, no seu bairro. Mesmo nas cidades pequeninas, há escritórios de engenharia, tem as licitações locais para pavimentação de ruas, saneamento, empresas de transporte de passageiros ou cargas. É importante buscá-las, então o trabalho é grande.

Já contamos com três grupos decisivos e bastante entusiasmados. O da minha equipe, que trabalhou um ano – e continua trabalhando – pro bono; o das empresas que aderiram, e sabem que isso lhes dá um selo importante; e o de áreas oficiais. Nós tivemos a participação do governo em três momentos muito importantes: no dia 8 de maio, quando lançamos o projeto, quem encerrou o seminário foi o ministro Wagner Rosário, da Transparência, que levou seu apoio; em 3 de outubro, contamos novamente com sua presença e, em 9 de outubro, quando a Brasinfa – Associação Brasileira de Infraestrutura–, nos cedeu espaço em seu evento. A abertura foi feita pelo ministro Tarcísio Gomes de Freitas, da Infraestrutura, e o encerramento, mais uma vez, pelo ministro Wagner Rosário. Estavam lá o presidente do TCU, a AGU, o procurador-geral da República, o senador presidente do Comitê de Infraestrutura do Senado, então nós tivemos representatividades que, com muito entusiasmo, acolheram e impulsionaram a ideia.

R.O.: O Instituto pretende criar algum tipo de certificação para as empresas associadas?

S.E.: Sim, pretendemos criar um modelo de certificação para a área de compliance. Pretendemos trabalhar com uma estrutura administrativa pequena, organizada em comitês. Vamos voltar para o setor de transportes: vamos organizar um comitê para tratar das regras específicas de compliance nesse setor, estrutura, e integridade, que é uma coisa um pouco maior, envolve sustentabilidade e outras coisas. Vamos então criar um modelo de certificação, seus critérios, e, a partir daí, ir certificando as empresas que venham a atingir um ambiente de compliance e, principalmente, qualificando-as, capacitando-as. Como disse, há as empresas pequenas, que não têm a mesma capacidade de organização das grandes. Nós queremos ajudá-las. Para isso, vamos contar com o BID, que já faz importantes trabalhos nessa área e que nos abriu algumas portas para uma capacitação de pessoas e empresas de alto nível na área de integridade.

R.O.: Essas certificações seriam como as de qualidade, as ISO, que devem ser renovadas periodicamente?

S.E.: Sim, já existem empresas que fazem isso e estamos conversando, indo buscar suas expertises para fazer essas certificações. Como eu disse, a ideia é irmos buscar quem saiba fazer. Imagine montar uma estrutura para isso, é antieconômico, vai trazer um custo muito maior que o benefício.

R.O.: Como o senhor vê o Instituto daqui a 10 anos?

S.E.: Esperamos que ele esteja presente até nas decisões públicas. Não o Instituto, em si, mas o que ele representa. Na percepção, pelo Estado brasileiro, de que haverá vantagens competitivas nas empresas aderentes a um ambiente de integridade e autorregulação. Estou falando no Estado, que é o grande contratante, o concessor de infraestrutura. E, além disso, que tenhamos menos demandas judiciais, com todas as vantagens que isso traz para a saúde das empresas e para a própria efetividade dos impostos que pagamos. Pagamos impostos muitas vezes para ficarem dormindo em obras inacabadas, que se transformam em demandas judiciais que trazem toda sorte de prejuízos. Como o governo é o grande demandante, o poder concedente, quem paga somos nós. E eu imagino o quanto seja difícil, para uma empresa, planejar no longo prazo, estando sujeita a tantas incertezas.

Esperamos, enfim, que o nosso instituto seja uma referência para os órgãos de fiscalização que o Estado tem, e não estou falando apenas das agências, mas até das associações da sociedade civil, do Ministério Público, dos órgãos de defesa do consumidor. Que possamos ser o estuário desses esforços todos em prol da sociedade.

Foto: Divulgação / Antônio Cruz/Agência Brasil

Fonte: Revista Ônibus

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